quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Troco carro com vontade própria!

"Troco carro com vontade própria por um que não saiba onde moras!
Este sabe e atraiçoa-me. Desvia-se por saber que basta um pequeno desvio no meu caminho de casa, para passar na tua. Tenho medo que um dia ainda se espete contra o gradeamento do passeio, só para te ir tocar à campainha.
E sim, se ficarem com o meu carro saberão tudo sobre mim.
Não tenho objecto mais pessoal que o meu carro. Não, o meu objecto mais íntimo não é o telemóvel. Esse só sabe das mensagens que consigo enviar, só ouve as conversas que consigo verbalizar, os sentimentos que não ficam engasgados. Só sabe das palavras que consegui soltar, dos sentimentos que consegui assumir.
O meu carro não. O meu carro ouve as conversas que ensaio, enquanto ganho coragem para ir à agenda seleccionar o teu número, escolher entre a opção "viber" ou "marcador" acabando por deixar o dedo escorregar para a tecla vermelha, que anula tudo - menos a minha vontade de te ver e a minha certeza que os teus braços têm a exacta medida para aconchegar o meu corpo cansado, depois de mais um dia. Há conversas que ficam só entre mim e o meu carro. Há estados de alma que só ele percebe. Ele sabe se chego bem ou mal disposta, depois de um dia de trabalho. Percebe-o pela música que escolho para ouvir, pela impaciência ou serenidade com que enfrento o trânsito, o sinal fechado ou os buracos no caminho. Sabe como me tranquiliza, conduzir sem destino, quando quero pensar.
É por me conhecer tão bem que toma a liberdade de me desviar para ti. Dá o pisca, pára no stop e segue, rumo ao que sabe, me faria feliz.
E eu, a partir do momento em que percebo que já não é a razão que me domina, deixo-me ir em piloto automático. Limito-me, apenas, ao passar a tua casa, a erguer o olhar para a tua janela. E à iminência da tua presença, de que pressintas que te rodeio, fico aflita, sinto-me ridícula e acelero, prego a fundo, naquela curva apertada como se estivesse em plena auto-estrada do norte.
Troco este carro. Porque o gasóleo está caro e a austeridade vai apertar (ainda mais) em 2013, logo não me posso dar a estes desperdícios. Já que nada muda, a cada vez que passo a tua casa e te imagino do outro lado da janela. Porque tens amores maiores. E eu tenho saudades. De tudo. Do que foi e do que podia ter sido. Das tuas mãos. Do teu cheiro. Da minha cabeça no teu ombro. Do brilho dos teus olhos, que me sorriam enquanto me ouvias contar as banalidades do meu dia. As minhas saudades têm número de porta e contra isso não posso fazer nada.
Se um dia vieres à janela e vires um carro encostado à tua casa - sou eu. Aponta-me um lugar para estacionar, convida-me a entrar. Mostras-me a casa, como se fosse uma amiga a quem convidaste para ir conhecer o teu espaço. Eu gabo-te a decoração, digo que te amo e aceito uma bebida - que o caminho foi duro e a espera foi longa, não há bateria que resista!"

BM

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