Hoje podia ter sido um amanhecer igual a tantos e tantos outros de domingo. Mas não foi!
A manhã fria não convidou ao habitual passeio de bicicleta pela marginal...
Que desagradável que é, depois de um pequeno-almoço digno de um qualquer hotel 5*, com direito a vista para o mar, inclusive, ter que vestir um agasalho e mais um. Impermeável talvez! Que aborrecimento.
Mais vale ficar em casa. Meia volta no sofá. Deitar um olho aos desenhos animados.
Podia, mas não foi assim.
Ao passar pela estante, onde passo vezes sem conta, eis que ao olhar de relance, numa de verificar se até já tinha ganho pó desde a última vez que a limpei - vão para aí uns três dias, há um livro que me salta à vista.
"Aproveitem a Vida" - em letras grandes, numa cor viva.
Que estranho, achei. Nunca dei por aquele livro. Das duas uma, se não fui eu a comprá-lo (caso tivesse sido, saberia do que se tratava), só pode tê-lo comprado o meu pai. Leu-o e deixou-o em minha casa - nada que não fosse frequente entre nós.
Sempre que compra um livro, o meu pai, anota a data e assina-o, em letras pequenas, num canto, na contracapa. Fui procurar essa "marca" dele e confirmei. Aquele livro era uma aquisição do meu pai e ele talvez não o tenha deixado ali por acaso, ou talvez eu não o tenha encontrado ali, hoje, por mera casualidade.
Ora, mas de que livro estou eu para aqui a falar, afinal? Do livro de António Feio.
Sentei-me no sofá com ele e comecei a folhear. Parte era a descrição de quem acompanhou de perto os últimos dias da vida de um doente com cancro no pâncreas. Mas de um doente especial, o António Feio. Que encarou a doença como encarava a vida: com gargalhadas, por ele e pelos outros. O livro tem relatos emocionados e emocionantes mas o que mais me tocou foi ler a carta que ele deixou à sua família, amigos e público que o admirava. A carta é comovente e é impossível não tirarmos de lá uma lição para as nossas próprias vidas. Contudo, esta carta tocou-me muito mais que pelo conteúdo, pela data em que foi escrita.
24 de maio de 2010. Neste dia, estava eu a comemorar mais um aniversário, rodeada de amigos, plena de saúde, a gargalhar e a festejar a vida, a minha vida. E uns quilómetros mais a sul de mim, estava o António Feio, no seu computador pessoal também a festejar a vida, que já tinha aproveitado e vivido junto dos que mais amava, deixando escrito um obrigado a todos aqueles que tinham feito da vida dele o que ela tinha sido. Eu rodeada de amigos e família a brindar à saúde e ele a agradecer ao pâncreas tê-lo feito ver que na saúde e na doença sempre esteve rodeado de amigos, bons e verdadeiros amigos.
Que murro no estômago. Como és pequenina - pensei eu, ao ir reflectir naquilo que deixo que abale os meus dias, a minha serenidade, a minha confiança, a minha auto-estima.
Será que é desta que aprendo a lição e me capacito, de uma vez para muitas, que as coisas e os outros só têm a importância que lhe damos e, por isso, só interferem na nossa vida, provocando-nos alegria ou dor, na medida que lhes permitimos?
Será que é desta que aprendo a olhar para "as pedras no sapato" capacitada de que importa mais investir forças a pensar na forma como as remover e continuar a caminhada, do que a tentar perceber como foram lá parar, nas feridas que estão a fazer? Se for preciso caminho descalça. Sempre sentirei a terra, o chão molhado, a areia da praia.
Será que é desta que valorizo os sorrisos, o teu sorriso. Que aprendo que o bom que vivemos, só porque passou não tem que deixar de ser bom. Que as pessoas são o que são e não o que esperamos delas e que a decepção nasce da expectativa demasiado elevada que só nós criámos.
Será que vejo os "nãos" e as portas que se fecham só como mais um obstáculo que em ultrapassado me torna mais forte?
E será que aprendo a enfrentar os desafios com o ânimo e a motivação de quem corre atrás de um sonho, mesmo sabendo que isso implica perdas pelo caminho. Mas que só se perde o que, de verdade, nunca foi nosso?
Será que aprendo que o aqui e agora são a maior dádiva e que é neste tempo e espaço que tenho de aprender a ser feliz? E sê-lo, verdadeiramente.
Sei que este livro já tem dois anos e que, parece parvoíce, estar agora a dizer que o li. Mas foi agora que o "descobri", talvez porque este fosse o momento de retirar para mim esta mensagem.
Sei que este tema é recorrente e toda a gente diz o mesmo: que ser feliz é o mais importante, aproveitar cada momento é o fundamental. MAS É MESMO.
Por isso, eu saí para a rua. Mesmo com o frio e cheia de agasalhos - como de uma manhã de Dezembro se tratasse. Fui pedalar para a marginal. Até me molhei porque o impermeável ficou em casa e a chuva saiu comigo.
Quando regressei, tomei um banho quente e ao olhar pela janela vi que a chuva tinha parado, as nuvens se tinham escondido e podia, agora, ver-se o sol.
Há dias que são assim - verdadeiras lições, pela mão de outros.
E se me permitem:
"A mensagem principal que quero deixar às pessoas é que se há um problema é preciso resolvê-lo da melhor maneira, há que não ficar quieto, há que tentar de tudo primeiro, antes de desistir.
Se as pessoas começarem a parar por um momento para olhar para casos como o meu, ou, simplesmente, para a sua própria vida com olhos de ver, talvez comecem a relativizar os seus próprios problemas e possam perceber o que de facto vale a pena na vida. Talvez assim a consigam aproveitar melhor.
Aproveitem a vida e ajudem-se uns aos outros!Não deixam nada por fazer, nem por dizer!"
Hoje cresci séculos.
Obrigada António Feio
Obrigada Pai que um dia compraste este livro e o deixaste na minha estante.